Ao iniciar sua obra de maneira solitária, já passada a fase dos escritos a quatro mãos com Joseph Breuer, Freud introduz-nos na arte de interpretar, interpretar sonhos: Traumdeutung 1900. Lembremos que a ciência dos sonhos, é nada mais que um eco dos mitos gregos, que veiculam com grande força de expressão as mais profundas fantasias e acabam por privilegiar o inconsciente e suas metáforas. Os sonhos são realizações de desejos, são de caráter alucinatório e são retroativamente catexizados; são os velhos pontos de contato, agora facilitados, que não deixam rastros de suas cargas em questão. Mais tarde, estes sonhos assim elaborados no Projeto, dão início à metapsicologia freudiana, cedendo o lugar dos jogos de força, para a decifração do inconsciente na Traumdeutung. Ainda no campo dos mitos, temos o Édipo e Narciso como conceituações privilegiadas na teoria freudiana do inconsciente e da fundação do eu, respectivamente. O mito criado por Freud, Totem e Tabu 1912, para representar o encontro do sujeito com a Lei, e ainda a mítica teoria das pulsões, conceito entre psíquico e somático, entre aquilo do que se recebeu sentido, e aquilo que não cessa de não se escrever, entre corpo e linguagem, o mito assim, é a diáspora do sujeito. Os sonhos e os mitos, são para a psicanálise freudiana, as vias de acesso ao Real, são maneiras que o sujeito encontra de contar sua história, são maneiras de expor suas próprias experiências numa série de acontecimentos, sejam eles reais ou imaginários, mas que sem dúvida narram aquilo que se produziu no passado, perpetuando-o na realidade atual; Freud é o primeiro pesquisador a valorizar a eficácia simbólica como modo de produção e transmissão, como modo de valorização do social e do individual: “verdade é expressar uma verdade sobre as origens e a arquitetura do espírito humano” (Estudo Autobiográfico 1925). A história, os conhecimentos por ela gerados no que se refere às civilizações, e a própria mitologia, são base para a arquitetura teórico clínica da psicanálise, o que faz Freud apontar que aos que desejam ser analistas, que se importem com os conhecimentos gerados por estes saberes. Assim, como podemos pensar a criação da psicanálise, por um único homem, que viveu uma vida de embates e resistências, tanto por sua origem, quanto por suas ideias? São indagações que vamos olhar com o cuidado que o tema merece, e poder escutar que a psicanálise, nascida das mãos e da coragem de um único homem, pôde realmente descentrar tantas certezas, e que, ainda hoje, incomoda muita gente.
Claudia Conti - Psicanalista e Presidente da AMP
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