Antes da psicanálise o inconsciente era tratado como aquilo que estava ausente da percepção, e que os atos que escapavam as explicações racionais se justificavam unicamente como erros a serem corrigidos ou ignorados. Sigmund Freud, influenciado pelos estudos a sua volta, passa a notar que aquilo que era esquecido, trocado, lembrado e sonhado não eram atos fortuitos, e sim representações de um desejo que encontrava meios de expressão, que era um dizer (mesmo que não todo) de uma verdade que insiste em se fazer presente.
O texto “A interpretação dos sonhos” (1900) traz a marca da teoria freudiana, em que descentra a racionalidade como o grande palco das expressões humanas e passa a focar no lugar onde não se é pensado como o espaço das reais motivações. Junto com textos como “A psicopatologia da vida cotidiana” (1901) e “Os chistes e as suas relações com o inconsciente” (1905), Freud demonstra o modo como o inconsciente persevera em se fazer operar na superfície da linguagem do dia a dia.
Não podemos dizer que Freud funda o inconsciente, mas sim cria um modo de escuta daquilo que existe para todo o ser de linguagem. Então, o que ele inaugura é uma práxis, uma teoria e um método que legitima o inconsciente como a sede das experiências humanas, uma oferta para o endereçamento dos modos de amar e sofrer, e assim uma ética que tem como questão o estilo que cada um se propõe a assumir a relação com o seu desejo e a posição que ocupa no próprio mito constitutivo.
Buscando sistematizar essas ideias em um modelo científico e explicar a maneira de funcionamento do aparelho psíquico, argumentando a necessidade e a legitimidade dessas definições, Freud elabora a sua primeira tópica em que a divide em diferentes sistemas, com lógicas próprias de funcionamento e que se organizam de modo topográfico, dinâmico e econômico. Essa explicação psíquica, com forte influência positivista, passa a ter alterações com o desenvolver teórico psicanalítico, mas em especial quando Freud se depara com a tendência a repetição e, assim, com a pulsão de morte. Esse atravessamento faz com que Freud repense o aparelho psíquico e constitua então a sua segunda tópica (que não substitui a primeira, mas se faz complementar).
A segunda tópica é pensada de modo muito mais relacional e dinâmico entre as instâncias. Freud a representa com a analogia de um cavaleiro em cima de um cavalo: sendo o Ego o que supostamente faz função de guia, e assim, o cavalo a força motriz que representaria o Id como o lugar de impulso dos desejos, o caldeirão cheio de excitações fervilhantes. Nessa analogia Freud explica que nem sempre cavaleiro e cavalo querem trilhar pelo mesmo caminho, e por mais que o Ego se esforce em direcionar o trajeto que almeja seguir, a força que realmente faz percurso é a do Id, que é a verdade do sujeito que se sobrepõe ao Ego.
O inconsciente, que é marcado pelo desejo, faz com que o sujeito se antecipe as vontades do Ego, e é isso que a psicanálise ouve e pontua a existência, e que apresenta como questão para esse que até então era cego e surdo a si mesmo e que passe a se haver com a sua outra cena.
Anna Isabel Araujo Vaz. Fevereiro 2021
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